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quinta-feira, 26 de maio de 2011

A vida é um concurso

Eu não crucifico, mas vocês pensam que a vida de blogueiro é fácil.
Quem dera.
E o pior é conciliá-la com a vida de concursando (ou seria concurseiro? Na dúvida, usarei os dois. Cansei de procurar toda e qualquer resposta no Google). Aí já é coisa de outro mundo.
Seria até cômico se não fosse trágico, mas outro dia parei para refletir e cheguei à conclusão de que, por exemplo, ir ao supermercado se transformou em verdadeira sessão de terapia nesses tempos de concurso público. Há ou não há algo de muito errado comigo? Acho que já sei a sua resposta ...
Mas, me deixe desabafar um pouco.
No auge da minha crise existencial, quase cheguei a me apresentar voluntariamente em um hospital para pedir para ser internado. Não ria, gente. Estou falando sério. Bom, eu acho que estou. Pelo menos parece, né.
Na minha cabeça, o ápice da insanidade começou na manhã daquela segunda-feira. Havia uma gritaria logo cedo no apartamento ao lado. Era a vizinha que estava dando a luz a um bebê. Rapidamente pus uma bermuda e uma camisa e fui ver aquela cena. Entre sangue, lágrimas e muita alegria de todos que estavam presente, eu só conseguia pensar no seguinte: "Ele respirou? Entrou ar nos pulmões? Opa, então segundo a melhor doutrina que adota a Teoria Natalista, a personalidade começou com o nascimento com vida". Meio transtornado com aquele pensamento jurídico inoportuno para o momento, voltei para casa. Ao retornar ao meu quarto, comecei a ouvir vozes vindas da janela. Eram os operários da obra de recuperação da fachada do meu edifício. Que sujeitos grosseiros e mal educados. Eu queria estudar, pedi para eles evitarem falar alto. Me ignoraram. Lá pela quarta ou quinta vez, eu me levantei da cadeira e aos berros gritei: "Porra negão, vai pro inferno com esse barulho. Fala grosso, seu voz fina de merda. Essa porcaria de obra que não termina nunca, vocês estão superfaturando a porra toda, estão roubando o prédio, seus safados". 10 minutos depois e a polícia batia aqui na minha porta. Perguntaram o meu nome e eu respondi: "Prazer, Eliseu Drummond, funcionário da Telerj". Maluco, eu? Jamais. O STF em algum informativo desse ano livrou a cara de um sujeito que na delegacia se recusou a dar o nome correto dele. Segundo os juristas, encontra-se na esfera da auto-defesa a conduta de se recusar a fornecer o próprio nome às autoridades policiais ou dá-lo incorretamente. Com isso, julgaram a conduta atípica e soltaram o mané. Mas, isso é na teoria né malando, porque na prática, "educadamente", me conduziram à delegacia. Racismo, calúnia, injúria, difamação, nem lembro mais do que o inspetor me falou que eu tinha cometido. Na minha cabeça eu sabia que aquilo não daria em nada. Sou péssimo em penal, mas afastando o racismo, todos os demais delitos eram de menor potencial ofensivo. Seria lavrado um termo circunstanciado, eu não seria preso e no Juizado Especial Criminal aceitaria alguma medida despenalizadora para trancar a ação. Pagaria algumas cestas básicas ou cumpriria alguma medida restritiva de direito e nada mais. Sequer apareceria na minha FAC aquilo. Mas, no final das contas, os sujeitos resolveram aliviar pro meu lado e não foram adiante com a reclamação. Sorte a deles. E que no dia seguinte ficassem calados trabalhando!!!!
No entanto, rapaziada, o dia estava longe de terminar. Foi só chegar em casa e comecei a ouvir minha mãe reclamando no meu ouvido pelo show que eu proporcionara aos vizinhos. Ainda tentei argumentar, mas ela não permitiu. Ela com certeza nunca ouviu falar em ampla defesa e contraditório, muito menos na presunção de inocência. Estado Democrático de Direito só existe da porta para fora da minha casa. Aqui dentro, a regra é clara: olho no olho, dente por dente, sem reexame necessário. Mãe é uma só, sabe como é né ... tem que respeitar! Como castigo, fui obrigado a pagar as contas no banco. E o pior, com o meu dinheiro. Chegando na agência, em pleno dia 10, a fila era quilométrica! Logo me veio à cabeça uma lei (que nunca ninguém viu o número, os artigos ou banco sendo responsabilizado pelo seu descumprimento) que vedava a espera na fila por mais de trinta minutos. Eu já estava preparando o cenário para uma ação indenizatória e assim garantir o meu carnaval em Salvador em 2012, mas ... a mulher do caixa me chamou. Sacanagem! No meio de tanta conta, duas me chamaram a atenção: a anuidade da OAB e a taxa de incêndio. Só conseguia imaginar que a primeira, segundo decidiu o STJ, não tem natureza tributária. Logo, a OAB jamais poderia ajuizar uma execução fiscal contra mim! Ao contrário da taxa de incêndio. E com essa percepção, vieram todas aquelas idéias de prerrogativas da Administração Pública, a natureza sui generis da OAB (diferente de todos os demais conselhos de classe profissional). Quando vi, já tinha pago tudo. Era hora de retornar pra casa, tomar um banho e ir assistir aula no cursinho.
Dito e feito. No caminho até o Centro, fui de ônibus. Aliás, seria isso mesmo? No meio da Presidente Vargas, o ônibus colidiu com outro veículo, fazendo com que vários passageiros se machucassem em seu interior. Enquanto muitos choravam, xingavam ou permaneciam atônitos, eu só me lembrava da responsabilidade objetiva do transportador e das inúmeras ações indenizatórias que eu ajuizaria como advogado daqueles passageiros. Naquela altura, eu já estava convicto de que algo não estava legal dentro de mim. Tudo, absolutamente tudo que eu fazia, via ou ouvia logo fazia um link para algum tema jurídico. Que merda.
Depois do susto, enfim consegui chegar ao curso. Aula de direito do trabalho. Isso mata qualquer um, menos a mim. Eu adoro (percebam, eu não disse que sei direito do trabalho, apenas gosto de estudar e assistir aula dessa matéria). A aula termina e volto para casa. Antes, vou à lanchonete para comer um salgado e beber uma coca. Mas o preço, onde está? É relação de consumo, onde estão a transparência e a informação? O consumidor é parte vulnerável! Era óbvio que o lanche não cairia bem no meu estômago.
Enfim, estou em casa. É hora de descansar, assistir HOUSE na tv. Mas, antes, vou acessar os meus emails, vai que a mulher da minha vida me escreveu dizendo que estava com saudade e queria me ver? Nada disso, o que tinha mesmo era email oriundo do STJ e STF com os malditos informativos. Mais coisa para ler e estudar. O email da mulher da minha vida ficou apenas na imaginação, mas de repente é até melhor, pois imagina se eu case, tenha filhos e lá na frente as coisas dão erradas, um de nós morre, como fica? Direito de Família, Sucessões ... chega! Vou dormir, amanhã será um novo dia ... um novo dia em que o Direito teima em não me deixar em paz! Socorrooooooooooooooooooooooooooo!
Brincadeiras à parte, nem sempre as coisas foram assim. Houve um tempo em que tudo parecia ser mais fácil. As responsabilidades eram outras, os problemas também. E olha que não faz tanto tempo assim e que não estou falando da época do colégio!
Você pode achar que não, mas até os sonhos têm um preço, afinal, para cada escolha que você faz na vida, algo é renunciado por você. E comigo não foi diferente quando ao me aproximar dos 30 anos, vislumbrei um novo projeto, ou simplesmente um novo horizonte na minha vida. Horizonte este que me garantisse, no mínimo, trinta dias de férias por ano, boas noites de sono, uma aposentadoria honrosa e de repente, quem sabe, uma qualidade de vida infinitamente melhor e mais tempo ao lado de filhos que ainda não tenho e esposa que sequer imagino ter um dia. No início, pareceu loucura. Trocar o incerto pelo potencialmente certo. Mas, vou te confessar algo: difícil não é tomar a decisão de largar a vida de advogado e se dedicar aos estudos. Difícil mesmo é você se manter firme nesta decisão depois da primeira dificuldade ou frustração de um projeto ou ambição que até ontem era tangível, palpável.
A sociedade é bastante injusta. Parece dá valor apenas a quem trabalha e trata com desdém àqueles foram em busca de seus sonhos. A gente percebe nos olhos da pessoa que te pergunta o que você faz vida e você responde: "estou estudando para concurso". Faz parecer inclusive que você é um criminoso. Não entra na minha cabeça a idéia de que um sujeito pode chegar a uma altura da vida e aceitar a idéia de ser improdutivo. No fundo, todos querem se sentir úteis, não é mesmo? Às vezes, dá vontade de responder ao sujeito: "você acha que eu não faço nada? Você acha que estudar é pouca coisa? Vá se fuder, filho da puta!" Além de estudar horas em casa, aturar horas de aula com professores esquisitos que lecionam matérias insuportáveis (e por incrível que pareçam, gostam dessa merda), quebrar a cabeça para entender os posicionamentos transloucados do STJ e STF a cada semana e entender as sessenta e nove correntes doutrinárias sobre um mesmo tema, o concurseiro ou concursando deve-se preocupar ainda em ser um bom filho, irmão, namorado, pai, amigo, torcedor fiel ao seu time de futebol, fazer compras no supermercado, pagar as contas no banco e interagir com o mundo. E você ainda acha pouco o fato dele "só" estudar? Perdoem Senhor essas pobres almas. Eles não sabem o que estão falando.
Perto de completar 1 ano da decisão mais importante da minha vida depois da escolha do meu time de futebol, eu olho para trás e consigo enxergar progressos. O caminho adiante ainda é longo e no decorrer do percurso sofrerei com os seus traiçoeiros espinhos. Só que não entrei nessa jornada para perder, meu bom rapaz. Não preciso ser o primeiro a passar. Basta passar. E lembrem-se, para cada queda, eu me levantarei ainda mais forte e convicto. Para cada obstáculo superado, o suor do meu esforço medirá o grau da minha felicidade e o nível da minha confiança. Para mim, nada é impossível. Alguns desistem no meio do caminho. Outros, recompõem suas energias e seguem firmes até o final da estrada. Para o alto e avante. Sempre. Sugiro que você faça o mesmo. Procure se conhecer melhor. Identificar seus pontos fracos, seus limites, suas qualidades, seus pontos fortes. Não queira começar abraçando o mundo. Antes, é preciso conquistar alguns continentes. Seja um franco atirador, mas jamais deixe de ser protagonista na sua própria vida, beleza? E não se esqueça de me convidar para o evento da sua posse, porque o da minha já estão todos convidados desde já!
Vou terminar por aqui. Não gostou do texto de hoje? Ótimo, me processe, afinal, todo candidato dos principais concursos públicos da área jurídica precisa comprovar a tal da maldita prática jurídica, logo te encontro na sala de audiência ... fui!
Em tempo: os exemplos jurídicos narrados no texto decorrem de imaginação do autor, ou seja, não reportam situações verdadeiras, tampouco a opinião do blogueiro sobre determinado assunto ou pessoas. Tudo pela poesia literária, cacete!

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