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domingo, 20 de março de 2011

A minha segunda chance


Até hoje, quando olho para essa foto, não acredito como escapei com vida daquele acidente. Definitivamente, não era a minha a hora. Levei muito tempo para entender ao certo tudo que acontecia na minha vida naquele momento.

Mas, se eu tivesse que resumir, te diria que naquela madrugada do dia 25 de maio de 2001 eu ganhei de Deus uma segunda chance para recomeçar a escrever minha história aqui na Terra, para completar com êxito a minha missão.


Foram dias, meses, anos bem difíceis. Fazia pouco mais de cinco meses que eu perdera o meu pai. E apesar da aprovação no vestibular da UFRJ no início daquele ano, o trauma experimentado no ano anterior eram bem visíveis. Vivia um momento muito conturbado em casa, brigas diárias com a minha mãe, uma relação um pouco distanciada com o meu irmão. Era tudo muito triste e difícil. Estar em casa era um verdadeiro martírio. Você não se sentir bem na sua própria casa é muito complicado e desesperador. Injustamente, eu despejava toda minha revolta e raiva em cima da minha mãe e do meu irmão. A fortaleza do ano anterior se transformara em uma pessoa arredia, explosiva e que se julgava capaz de viver isolado, sem carinho e amor.
Naquela noite, houve uma festa de recepção dos calouros da UFRJ em uma boate na Barra da Tijuca, que hoje não existe mais. E você que já foi calouro um dia na vida, sabe que não se perde evento algum nessa época de faculdade, não é mesmo? Comigo não foi diferente. Fui de carro, levando comigo quatro colegas de turma da faculdade. Teria sido somente mais uma festa universitária. Mas, mesmo sob os riscos da tragédia que poderia ter acontecido, aquela noite acabou sendo um diferencial na minha vida.
Antes de você pensar besteira ao meu respeito, meu consumo dentro e fora da boate se resumiu a um refrigerante e metade de uma caipirinha que dividi na ocasião com a minha namorada da época. Não que em outras oportunidades do passado eu não tenha assumido riscos desnecessários ao volante, mas naquele dia eu estava tranquilo.
Vou resumir a história e poupar vocês de vários detalhes do acidente e os desdobramentos, pois o objetivo do texto é falar da segunda chance que recebi de Deus e não dar IBOPE ao acidente propriamente dito, ok?
Pois bem, voltemos ao texto. No caminho de volta para casa (deixando antes os meus colegas em suas respectivas residências), de madrugada, ao passar pelo cruzamento entre duas famosas ruas em Copacabana, meu carro foi acertado por uma Ranger, provocando o aludido acidente. Rapidamente, fomos socorridos pela unidade do Corpo de Bombeiro em Copacabana e encaminhados à emergência do Hospital Miguel Couto. Todos com vida, graças a Deus, embora com algumas lesões que exigiram bastante cuidado de todos nós.
Acordar na emergência de um hospital, desorientado, com dor e sem saber se os seus colegas estão vivos e se o seu quadro clínico inspira maiores cuidados médicos é desesperador. Mas, não há coisa pior que ouvir sua mãe desesperada chorando a poucos metros de você, tendo sido acordada no meio da madrugada com uma ligação informando que o filho dela sofrera um acidente de carro e que estava sendo levado para o hospital. Juro, não desejo isso a ninguém.
E foi justamente nesse momento que percebi a intervenção divina na minha vida. Do Miguel Couto, fui transferido para um hospital particular. Pelo pouco que lembro, havia uma certa preocupação dos médicos com a hemorragia cerebral e o traumatismo craniano que eu tinha, razão pela qual fui submetido a um exame, pouco antes de dar entrada no CTI.
Dentro daquela câmara ou algo do gênero, um filme da minha vida passou pela minha cabeça. Naqueles poucos minutos, consegui refletir sobre tudo que estava acontecendo comigo. Lembro bem de ter chorado bastante durante o exame. Não lágrimas de dor pela dor na cabeça, pelo ferimento da perna, pelos ligamentos rompidos do ombro esquerdo ou pela fratura na coluna cervical. Era por todo o sofrimento que o meu comportamento estava causando a quem eu tanto amava: minha família. Ali percebi que estava fazendo absolutamente tudo errado. Estava falhando como filho, como irmão, como amigo, como ser humano. E o pior: descumprindo uma das promessas que fizera ao meu coroa pouco antes dele falecer.
Lembro como se fosse hoje. Naqueles minutos realizando o exame, a única coisa que eu pedia a Deus era escapar com vida, com saúde para não dar trabalho a ninguém da minha família. E que se ele me desse uma segunda chance, eu faria tudo diferente dali em diante. Nos minutos que se sucederam aquele pedido, eu rezava. E rezar ali significou muito a mim, pois desde que soubera que meu pai estava acometido de metástase, eu me afastara de Deus. Minha fé sucumbiu na primeira dificuldade. Mas, eu perdi perdão ao cara lá de cima. E rezar durante boa parte do exame me deu uma paz, uma tranquilidade, uma certeza de que eu seria merecedor de uma segunda chance.
Pouco depois, ouvi de algum médico que o resultado havia sido positivo, que não havia maiores razões para preocupação. Fora só um susto. E que susto. Eu escaparia daquele acidente sem maiores problemas (embora até hoje sinta dores na coluna e desconforto no ombro esquerdo, mas porra, estou vivo).
Daquele dia em diante eu começava uma nova vida. Completamente diferente daquela que estava vivendo até ali. Claro que eu voltei a pisar na bola algumas vezes com o povo daqui de casa, óbvio que eu errei em outras oportunidades com o mundo. Sou humano, porra. Mas, aquele acidente foi importante para mim. Me aproximou de Deus e da minha família. Novamente me sentia amado. Ganhei um voto de confiança da autoridade superior. Veja, três dias depois eu saí do CTI e do quarto do hospital, vi o Pet fazer aquele gol de falta e o Flamengo conquistar o tricampeonato estadual sobre o Vasco da Gama, vulgo Colina do Mal. Sinal de que as coisas estavam mudando mesmo, e para melhor. De vez em quando eu sonho com o meu anjo da guarda brigando comigo, desesperado querendo se aposentar. Coitado, eu já dei muito trabalho ao safado. Tomara que nos assuntos celestiais haja adicional de periculosidade nesse tipo de atividade. Advogados ...
E mais, pensando aqui comigo, reparem, nessa minha segunda vida, quantas pessoas especiais eu conheci? Quantos momentos inesquecíveis conquistei? Quantos sentimentos experimentei? Quantos lugares conheci? Quantos novos capítulos da minha vida eu escrevi? E muito de tudo isso eu devo àquele acidente, porque na verdade, eu vejo que ele representou uma dádiva na minha vida, embora isso possa parecer macabro a vocês. Não tenho vergonha de dizer que todos os anos na data de aniversário do acidente, eu celebro. Celebro a vida, os bons momentos, a segunda chance que ganhei.
Toda vez que por algum motivo eu fico chateado ou desiludido com a vida, eu faço questão de lembrar daqueles momentos. A dor se converteu em esperança. O sofrimento em alegria. As vezes, infelizmente, precisamos perder algo ou alguém para darmos valor. Senti isso na pele. Literalmente.
Portanto, hoje quando você for se deitar, reflita um pouco sobre a sua vida. Sobre as suas atitudes, sobre as oportunidades. Não pense que você está só. Não se julgue acima do bem e do mal. Todos nós, absolutamente todos, precisamos de carinho, de gente para amar e nos amar. É o sentido da vida, ter com quem compartilhar seus sentimentos, suas conquistas, suas alegrias e tristezas. Nunca é tarde para começar de novo ou reconhecer um erro. Lembre-se que o amanhã pode nunca chegar, que um idiota pode avançar um sinal de trânsito em alta velocidade e abreviar sua história aqui na Terra. A felicidade começa e deve ser construída a partir de agora e não amanhã. Chega de relegar ao futuro o que precisamos para sermos felizes no presente. Não são todos que recebem uma segunda chance. Eu tive a minha vida e estou fazendo por onde. Uso como combustível para os meus sonhos. E você?
O mundo quer saber ...

quarta-feira, 16 de março de 2011

Meu pai, meu herói

Hoje é um dia especial para o blog. É dia de falar sobre um herói. Mas não falarei de qualquer herói. Trata-se do meu herói. Meu pai, o maior de todos os heróis.
Todo mundo na vida tem um herói. Alguns possuem vários. Graças a Deus, eu tive o meu pai. Exemplo de homem, de amigo, de filho, de profissional, de ser humano, de marido, de pai. É óbvio que tinha defeitos, quem não os tem? Mas suas virtudes simplesmente anulavam os seus defeitos.
Até começar esse texto, pensava em escrever sobre a dor da despedida e todo sofrimento experimentado naqueles doze meses de hospital no ano de 2000. Mas, talvez não fosse justo com o meu coroa, afinal, se há algo que sempre vem a minha mente quando penso nele é a imagem dele com um sorriso no rosto. Assim, seria muita covardia da minha parte escrever um texto em que eu provocasse angústia, dor e sofrimento nas pessoas. Não seria uma homenagem que eu gostaria de fazer ao meu velho. Ele não merece isso e meus leitores também não.
Lá se vão pouco mais de dez anos que ele faleceu, vítima de câncer. Para quem pensa que o tempo faz você esquecer as pessoas, eu digo: é mentira. O tempo ameniza a dor, a saudade, aquele aperto no coração. Mas não te faz esquecer quem você ama. Na verdade, com o tempo, você se adapta à nova realidade, pois, a vida continua e ninguém vai passar a mão na sua cabeça. É preciso seguir em frente. No entanto, quando se ama alguém, parte desse alguém continua e continuará sempre existindo dentro de você. O amor transcende a morte. O amor desafia a despedida. O amor supera o tempo. Imaginar uma vida diferente disso é pactuar com a tristeza, com o vazio, com o nada. E tenho a certeza de que ninguém nasce e passa uma vida inteira querendo ser uma ausência de sentimentos, desejos e realizações. Não serão dozes meses de dor e muita tristeza que apagarão outros 204 meses de muito amor e alegria.
De coração, espero que as palavras aqui redigidas de alguma forma sensibilizem àqueles que por algum motivo, não estão aproveitando a oportunidade de conviver e conhecer melhor seus pais. Claro que a vida muitas vezes é ingrata, exigindo de você um baita esforço e dedicação com os estudos, trabalho e afins e por vezes, você acaba tendo pouco tempo para desfrutar da companhia do seu pai, não é mesmo? Mas, a partir de hoje, isso será diferente. Ao ler esse texto, você está assumindo o compromisso comigo de dar um abraço bem forte no seu coroa, um beijo de respeito na testa e dizer a ele: "pai, eu te amo". Se você quiser realmente me deixar muito feliz, convide-o para sair, tomar um chopp, jantar. Faça algo diferente. Quebre barreiras, deixe o orgulho de lado. A vida é uma só. Nem sempre é possível ter uma segunda chance. Pense nisso. Gostamos muito de complicar as coisas. Neste programa com o seu pai, faça revelações da sua vida, mate sua curiosidade, pergunte coisas que você nunca perguntou a ele. Seja criativo e original. Te garanto, é um barato. Você conhecerá uma nova pessoa.
Bem, superado o compromisso acima, permitam-me falar um pouco sobre o meu herói. Ele nasceu no interior do Espírito Santo e no início de sua adolescência veio morar com a mãe e os três irmãos no Rio de Janeiro (perdeu ainda criança o seu pai). Formou-se em Engenharia Mecânica. Dizia ser torcedor do América do Rio, mas no fundo, era um rubro-negro. Se não era, passou a gostar do Flamengo por minha causa (mesmo moleque, lembro-me perfeitamente bem de uma vez no Maracanã quando ele comemorou um gol do Mengão muito mais que eu). Abriu uma sociedade com dois grandes amigos e depois de muito tempo trabalhando como engenheiro, passou a trabalhar na sua própria empresa.
Não tinha habilidade e gosto em praticar esportes. Mas sempre quis e fez com que seus filhos praticassem os mais diversos deles. Na verdade, gostava mesmo era de comer. Meu Deus, como adorava beliscar as mais variadas guloseimas. Qualquer nutricionista fracassaria perto dele! Não fumava, bebia pouquíssimo (o gosto pela bebida eu devo ter pego de algum tio). Onde quer que estivesse, era bem recebido e tratado com muito carinho. Até hoje, não conheci uma pessoa que não gostasse do meu pai. Se existem pessoas que não gostavam dele? Claro, ninguém é unanimidade, nem Jesus Cristo foi. Mas, não soube de alguém que lhe detestasse.
Mas, a pergunta que não quer calar: por que ele era o meu herói? A resposta é muito fácil. No meu pai, vejo o exemplo de homem, filho, marido, amigo, profissional e de pai que quero para minha vida. Nos melhores e nos piores momentos desta, sempre mirei o seu exemplo para resolver os meus problemas. Há um pouco dele no meu irmão, na minha mãe, em mim. Ou seja, a morte não fez apagar a presença do meu pai. Ele sobrevive e existe até hoje dentro da minha família. E talvez, se menor tivesse sido a sua influência, essa família hoje não existiria, estaria separada, desunida.
O que torna um sujeito herói de alguém? Vejam o meu caso. São coisas simples. Começa pela alegria de ouvir o barulho da porta de casa, indicando que seu pai chegava do trabalho. Aquele abraço e beijo gostoso, a conversa sobre as novidades na escola e no clube. Impossível ainda não lembrar daquela viagem a dois feita a Friburgo quando criança, ensinando sobre os sinais de trânsito e sobre como dirigir nas estradas. Jogar futebol no campeonato do colégio e ver que o treinador do time era o seu pai. Jogar basquete pelo Tijuca e olhar o coroa na arquibancada dos ginásios, onde quer que fossem os jogos. Era acordar domingo de manhã e ver as corridas de F1 juntos. Era madrugar para disputar quem leria o jornal do dia seguinte primeiro. Era acompanhá-lo na visita à vovó Aurora nas manhãs de sábado. Era perguntar sobre qualquer coisa e sempre ter uma resposta. Era ajudar no cultivo da horta criada na casa de praia. Momentos que formam uma infância, uma adolescência, uma vida. E em todos eles, sempre presente a figura paterna. Sempre um conselho, uma observação, um elogio, um carinho. Tem coisa melhor que isso?
Pai, meu querido e amado pai. A saudade é imensa. O senhor continua fazendo muita falta aqui. Obrigado por todo carinho dado. Eu sei o tamanho da minha responsabilidade no futuro de ser para o meu filho, o pai que o senhor foi para mim. Porque sei a importância e a diferença que um pai presente, carinhoso e amigo faz na vida de um filho. A vida pode ter encurtado a nossa história, a nossa convivência, mas seus ensinamentos, o seu amor, tudo isso viverá para sempre dentro de mim e nas gerações futuras de nossa família. Você é o cara!! Te amo, porra!
Talvez não haja mais nada a falar nesse momento. Apenas refletir e relembrar de todos os bons momentos vividos. Perto deles, a dor e a separação parecem não existir, nada significam. No fundo, gostaria de escrever melhor ou redigir outros textos sobre o coroa. De repente na data do aniversário dele. É que fica a sensação de que não foi suficiente tudo o que escrevi acima, de que não consegui homenageá-lo. Difícil falar sobre o amor de um filho para seu pai. Nessas horas, a emoção prejudica um pouco pois me impede de raciocionar melhor, de concentrar naquilo que realmente quero falar. Peço desculpas ao leitor. Nem sempre é possível fazer o melhor. Mas, falar sobre o meu pai me deixa feliz, ameniza um pouco a sua ausência física. Enfim ...
Assim, termino este texto, com o link para a música que o meu pai mais gostava de ouvir em seus momentos de reflexão. Impossível não me emocionar até hoje quando a ouço. Chega a dar um aperto um pouco mais forte, mas a certeza de que tudo acontece na vida por um propósito e a convicção de que tive o melhor pai do mundo, me ajudam a suportar o momento. Pai, te amo, essa música é em sua homenagem! Eu e você, você e eu, juntos, até o fim! http://www.youtube.com/watch?v=frD6vZnc_54 !

domingo, 13 de março de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece

Calma, minha gente. O título engana e te induz à conclusão precipitada. Seu curioso danado! Eu não daria esse mole aqui, né. De bobo eu só tenho a cara. Mas, já que você se deu o trabalho de acessar o blog, não custa (quase) nada terminar de ler o texto, não é? Faça um esforço ...
Como alguns já puderam perceber, gosto de falar sobre as minhas memórias. Até porque o tempo me fará esquecer algumas delas, então não deixa de ser uma forma de eternizar em poucas linhas as lembranças do passado, certo?
Pois bem, então hoje é dia de falar sobre a minha primeira vez. Mas, não foi qualquer primeira vez. Compartilharei com vocês a minha primeira vez no Estádio Mário Filho, mundialmente conhecido como Maracanã, ou para os íntimos, o famoso "Maraca".
É verdade que já faz um tempo, mas a sensação é de que foi ontem. Impressionante, sabe. Os livros de história não me permitem mentir. Estávamos em julho de 1989, eu tinha acabado de completar 8 anos de idade e ganhei de aniversário dos meus pais o ingresso para a final da Copa América, entre Brasil e Uruguai.
Não é saudosismo (pelo contrário), mas os tempos eram outros. Vejam o drama das crianças daquela época: (i) o videogame era o atari; (ii) o dinheiro da mesada se desvalorizava de um dia para o outro diante da inflação que reinava no país; (iii) não havia tv a cabo, éramos forçados a assistir a Xuxa diariamente e dar graças a Deus por isso; (iv) você chegava no supermercado e faltavam produtos nas prateleiras. Poderia perder o texto falando das dificuldades e das peculiaridades daquela época, mas o foco aqui é outro. Falemos somente da minha primeira vez.
Sendo assim, vamos tratar de futebol apenas. O Brasil vivia uma época de vacas magras. Fazia 19 anos do nosso último título mundial, no México. Vínhamos de duas decepções em Copas do Mundo (82 e 86). E no cenário sulamericano, o nosso último título ocorrera, salvo engano, 40 anos antes. E para completar o cenário, desde aquela época, tínhamos dificuldade em reunir os jogadores que atuavam no futebol europeu. Foi montada uma seleção basicamente composta de jogadores de clubes brasileiros.
Quem tiver interesse, procurem pela Internet vídeos, lances, gols daquela Copa América. Bebeto e Romário só não fizeram chover. Disparada, a melhor e mais completa dupla de ataque que eu já vi jogar. Impressionante como um completava o outro, como ambos eram craques, na melhor acepção da palavra.
Depois de superarmos todos os adversários nas fases anteriores, o que incluiu a Argentina de um tal Diego Armando Maradona, que três anos antes praticamente conquistara sozinho a Copa do Mundo, chegamos à final diante da equipe celeste, o Uruguai.
Perguntem aos seus avós sobre o trauma provocado pela perda da Copa do Mundo de 1950 em pleno Maracanã diante de mais de 200 mil pessoas. O tal "Maracanazo". O Uruguai era um time com tradição, papão de títulos no continente sulamericano e o fantasma de 1950 até hoje habita os corações brasileiros. Nos dias que antecederam a partida, os noticiários esportivos não falavam outra coisa.
E foi nesse cenário que naquela tarde de 16 de julho de 1989, eu e mais 132.742 pessoas fomos ao Maracanã presenciar um lindo e inesquecível capítulo da história do futebol brasileiro. Até hoje, o maior público que eu já presenciei no estádio.
Dormir na véspera foi praticamente impossível. Eu passara a semana inteira no colégio me gabando com os meus amigos de ter conseguido ingresso para assistir a partida. Temia muito ser taxado de pé frio (quando se é criança, a gente teme muita coisa, não é?). Por algum motivo que eu não me lembro mais, naquele jogo eu fui ao Maraca com a minha mãe, meu pai ficou em casa.
O meu ingresso era de cadeira. Na época, cadeira azul. Entrar no estádio não foi difícil (o que só aumenta a minha irritação quando até o ano passado enfrentava longas filas e horas esperando para entrar no Maraca, em partida para 50 ou 60 mil pessoas), complicado mesmo foi conseguir dois assentos vagos. Era muita gente. Um clima de festa impressionante. Com os meus 8 anos de idade, olhava assustado tudo aquilo. Dava vontade de chorar em alguns momentos. Eu e minha mãe abandonados naquele estádio. Quando morrer, terei que perguntar ao meu coroa o porquê dele ter feito aquilo com a gente. Mas, hoje ele sabe o quanto eu sou grato.
Enfim, depois de muito procurar, conseguimos dois lugares vagos atrás do gol, à esquerda das cabines de rádio e televisão. Eu e minha mãe, minha mãe e eu. No início, ainda tímido, não arriscava maiores gritos ou xingamentos, até porque lembro perfeitamente da bronca que minha mãe me deu no primeiro palavrão que proferi. Mãe é mãe, né parceiro?
Vocês podem rir, mas algo que me marcou muito naquela partida foi um filho da puta de mais ou menos 40 anos que estava sentado na minha frente. Por dois motivos básicos: (i) o desgraçado toda hora se levantava e tampava minha visão do campo de jogo. O puto levantava toda hora, eu tinha que praticar contorcionismo para enxergar alguma coisa. E (ii) o sem pai e sem mãe fumava um cigarro muito do fedorento e baforava para trás! Adivinhem em quem vinha toda aquela fumaça cancerígena? Porra, se eu tivesse uns 4 anos a mais e uns 10 centímetros, eu juro que naquela tarde eu teria enfiado a mão naquele apátrida! O trauma foi tão grande que deve ter sido por isso que não suporto cigarro até hoje! Aliás, deve não, tenho certeza de que a decisão de nunca tragar qualquer coisa deu-se em razão daquele dia. Pensando bem, eu deveria agradecer aquele prego. Ok, obrigado, onde quer que você esteja!
Retomando o raciocínio. O jogo foi truncado. Os olhares ao redor estavam todos apreensivos. Entre uma baforada e outra, eu respirava oxigênio e gritava feito louco. Era um sentimento de um país inteiro que empurrava aquele time. Milhares e milhares de corações aflitos. Façam uma remissão histórica. Tentem imaginar o país na década de 80, crise econômica, resgate de um regime democrático, um futebol sem glórias e colecionando fracassos ano após ano. Estava em jogo naquela partida muito mais que um título continental, era o ressurgimento de uma nação. A minha, a sua, a nossa nação brasileira.
Não sei o que os outros pensam. Mas, fico triste quando penso quantas crianças brasileiras crescerão e não terão a oportunidade de assistir a uma partida no Maracanã. Isso deve fazer falta na formação de uma pessoa. Costumo dizer que o Maraca muitas vezes serviu de terapia para mim. A entrada no estádio, a comemoração de um gol, os cânticos da torcida, ovacionar um ídolo, um craque. Quantas tardes de domingo maravilhosas eu passei naquele estádio. Tiveram dias ruins, de lágrimas e dor, mas no geral, como agradeço a Deus por ter nascido e sido criado perto do Maracanã. Esse fechamento para as obras visando a Copa do Mundo inclusive injeta muita tristeza na alma do carioca, do sujeito que é um apaixonado por futebol. Um jogo de futebol no Maracanã não é apenas um jogo. Envolve muita coisa. A expectativa, a praia pela manhã, a cerveja na hora do almoço e a comemoração na noite depois. Enfim ...
Novamente recuperando o raciocínio, voltemos àquela partida. Jogo nervoso, lances de perigo de lado a lado. E o placar insistia em não sair do zero. Mas, um certo baixinho mudaria para sempre a história do jogo e do futebol brasileiro.
Taffarel pega a bola na defesa e lança quase no meio campo para o Mazinho. Ele arranca com a bola, passa para Bebeto que devolve na frente. O Mazinho corre e faz o cruzamento. Enquanto os corações de um país inteiro paravam de bater, a bola atravessava a área uruguaia em direção certeira a um raio veloz chamado Romário, aquele mesmo da Copa de 94, que de cabeça faz o gol brasileiro. Explosão no Maraca e em todo o país. O Brasil fazia o primeiro gol na decisão e saía na frente.
Meu Deus, naquele momento, parecia que o mundo iria terminar. Era possível sentir as estruturas do estádio balançando. Uma sensação de alegria e medo tomavam conta de mim. Não sei como, mas tive tempo de pegar o maço de cigarro do infeliz que sentava na minha frente (no entre beijos e abraços dos torcedores) e joguei com toda a minha força para muito longe! Eu estava livre dos cigarros até o final do jogo! E a torcida brasileira, em festa, não parava de cantar.
Fim de jogo e todos emocionados festejam o primeiro título sulamericano depois de quase 40 anos. O primeiro título desde a Copa do Mundo de 1970. Toda aquela festa fez despertar em mim um sentimento ainda maior de paixão ao futebol (o que me faz pensar no jeito, darei de estar no Maraca na final da Copa de 2014), um respeito, admiração e gratidão eterna ao Romário, um orgulho pela coragem da minha mãe em me levar naquele jogo e a certeza de que teria outras glórias com o Flamengo nos anos seguintes.
Na saída do estádio, as ruas foram tomadas por bandeiras e muita festa. Carnaval fora de época na cidade. E muitas histórias para contar no colégio nas semanas seguintes. Eu fui testemunha ocular da história do futebol brasileiro. Debutara no Maraca logo com um título! E que título! Minha primeira vez tinha sido perfeita, melhor impossível. E é verdade quando dizem que a primeira vez a gente nunca esquece. Graças a Deus.
Para quem quiser, segue o vídeo daquela partida: http://www.youtube.com/watch?v=J63NnkUdQbA

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quando ser autor não é suficiente

Confesso que tenho andado sem muita inspiração nos últimos dias. Não sei se por conta do excesso de cerveja experimentada no carnaval ou se por deficiência técnica. Seja como for, parir esse filho, digo, criar um texto hoje será das tarefas mais complicadas.
A verdade é que antes de criar o blog, não tinha muita preocupação sobre o que escrever (não que eu tenha me tornado um blogueiro super conhecido depois do primeiro texto e que isso aqui seja acessado por milhares de pessoas, embora as estatísticas do blog revelem um tímido aumento no número de acessos ao blog).
E é justamente nesse ponto que reside a dificuldade ora enfrentada: como seduzir e sensibilizar o "público virtual"? Observem que não tenho a preocupação em agradar fulano ou ciclano. No dia que isso acontecer, encerro a conta do blog no minuto seguinte. A questão é outra: uma vez que ousei externar meu hobby literário, como fazer com que haja interesse das mais variadas pessoas acessarem isso aqui e perderem 10 minutos de seu dia para ler meus textos? Se ao final da leitura o pobre coitado do leitor vai gostar, odiar ou ser indiferente, são outros quinhentos. Mas confesso que é um barato danado ver pessoas comentando aqui ou pessoalmente comigo.
E essa dificuldade se acentua um pouco mais a medida que eu optei ao criar este blog em evitar escrever sobre religião, política e assuntos do nosso cotidiano. Essa árdua missão eu relego aos estudiosos e críticos de plantão. Na internet ou fora dela, há milhares de canais neste sentido. E sei lá, nada contra pessoas normais, mas eu gosto de ser diferente. Já que estou me dando o trabalho em criar textos, que primem ou valorizem o ineditismo da obra!
Mas, deixemos de lado esses dilemas existenciais que tenho enfrentado nos últimos dias. Foquemos nossas atenções nesse texto, ok?
A história de hoje pode receber contornos de humor. Mas, acredite que eu não fiquei nada feliz com ela. Muito pelo contrário. Até hoje é algo mal digerido por mim, sabe. Encarem as linhas seguintes com pequenas doses de dramaticidade. E tomem cuidado ao tecerem piadinhas com o sofrimento alheio, afinal, não custa lembrar que correm em minhas veias sangue árabe, guerra é comigo mesmo ...
O episódio ocorreu em 1996. Na época, então com 15 anos, eu me achava um sujeito normal (embora já convivesse com a divergência de opinião na "doutrina especializada"). Cursava a 8ª série do Colégio Marista São José, aqui na Tijuca. Em algum momento da minha história acadêmica, por algum motivo desconhecido até hoje, deixei de ser um aluno brilhante. Observem que eu não estou me chamando de burro, tampouco de medíocre. Mas, há uma diferença importante entre ser um bom aluno e um aluno brilhante. E essa história corrobora um pouco isso, senão vejamos.
Acabara de chegar ao colégio. Naquele dia chuvoso e cinzento, teria prova de português. Precisava de uma boa nota para ter uma certa folga no boletim até o final do ano, algo que me permitisse tirar o pé do acelerador, ops, dos estudos, nos últimos meses do semestre letivo, até porque na época, eu conciliava meus estudos com os treinos de basquete, as aulas no curso de inglês, dentre outras atividades (sem saudosismo, por favor).
Antes de prosseguir com o relato da história, cabe um importante comentário: português é uma disciplina enigmática. O sujeito estuda essa matéria por quase 10 anos no colégio e consegue a proeza de concluir o ensino médio falando e escrevendo errado. Passa uma vida inteira estudando advérbio de tempo, preposições, tempos verbais e afins, mas poucos são os que realmente aprendem alguma coisa. Infelizmente, o brasileiro não sabe escrever, não se importa em escrever errado e alguns falam e escrevem melhor em inglês! Enfim, algo muito triste.
Retomemos o curso da história. Admito, nunca fui fã de português no colégio, e olha que eu tive bons professores. Mas o que me causava grande temor era fazer prova de interpretação de texto. Quantas vezes eu achei que o autor de um determinado texto tinha fumado maconha antes de escrevê-lo? Isso sem contar que aquele povo todo da época do arcadismo, romantismo, barroco, realismo, naturalismo, modernismo etc. construiu sua obra literária partindo da seguinte premissa: "o texto incompreensível para Rafael Murad será sinônimo de sucesso para a literatura pátria". Juro, vocês não fazem idéia do meu drama.
Mas, naquela prova de português seria diferente. Ou não. A prova valeria 10 pontos, sendo que 8 pontos seria somente da interpretação do texto. Eu já me tremia nas bases. Recebo a prova e começo a ler o texto. Achei estranho, aquelas palavras me pareciam bem familiar. Pela primeira vez na vida eu concordava com o texto a medida que ia lendo-o. Curioso, interrompi a leitura e fui olhar a autoria do mesmo. Quase caí da cadeira! A professora havia escolhido um texto meu! Isso, você não está lendo errado, leitor. A porra do texto era meu! Lembro-me perfeitamente dos olhares de reprovação de boa parte da turma. Vagabundo deve ter achado que eu sabia de tudo desde o início! Além de não ganhar um centavo com a veiculação da "obra", ganhei a antipatia dos alunos. Sempre soube que aquela professora me detestava (quem quiser saber os motivos, perguntem ao final), mas aquilo era demais!
Só que a conveniência e a oportunidade fazem o ladrão. Depois do susto inicial, veio aquele sorriso "a la Monalisa" de minha parte. Respondia as questões com tanta propriedade, com uma convicção ímpar. Eu era o autor e mais ninguém. Entre uma questão e outra, já me imaginava na sessão de autógrafos na hora do recreio (bons tempos por sinal). Não demorou muito e eu terminei a prova. Confiante, levantei e me dirigi até a mesa da professora. Com um olhar de desdém, entreguei a prova e aguardei tranquilo o sinal do recreio.
Veio o recreio e com ele vários elogios, tapinhas nas costas, broncas. Tinha para todos os gostos. Eu escrevi aquele texto semanas antes. A professora dissera que escolheria um deles e que faria uma surpresa. Só não imaginei que a surpresa fosse aquela. Talvez tenha sido o único momento da minha vida em que Paulo Coelho não era páreo a mim.
Nos dias que se sucederam, eu já estava em clima de final de festa, quase de férias. A certeza de uma nota boa era plena. Em casa, não havia outro assunto. Quase que minha carreira literária começou ali, naquele momento.
No entanto, já dizia o poeta: "no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho". No meu caso, a tal professora de português. Vocês entenderão o meu sofrimento. No dia combinado, a maledita entregou as provas corrigidas à turma. Como meu nome começa com a letra R, fui um dos últimos a receber. Nada que abalasse a minha confiança. Uma nota alta na minha prova era mais certo que vitória do Flamengo no Fla x Flu do próximo domingo. Mas não se aquela professora pudesse me sacanear.
De repente ouço: "Número 32, Rafael de Souza Murad". Entre risos e vaias, levantei-me. Dei cinco ou seis passos em direção à mesa da professora. Antes mesmo de receber a prova e ver a nota, estava preocupado com aquele sorriso vingativo da megera. Dito e feito. Pego a prova e vejo um 4,5! Exatamente, um 4,5! Que ódio! Minha prova parecia uma mulher menstruada: havia vermelho de caneta para todas as partes! Praticamente acertara apenas o meu nome, as poucas questões de gramática e duas questões do texto ... do MEU texto.
Naquele inferno vermelho, um comentário me chamou a atenção: "o autor não quis dizer isso". Porra, como assim cara pálida? O autor era eu! E ninguém até então tinha me perguntado bulufas sobre o que eu estava pensando quando escrevi o texto!! Ela tinha o dom da adivinhação? Depois de ponderar por quase 10 minutos em sala de aula e perder um recreio inteiro reclamando e argumentando na sala dos professores com a bruxa, vi que não surtiria efeito algum a minha discordância em relação aos critérios de correção das minhas respostas às perguntas do texto de minha autoria.
Restou-me retornar cabisbaixo e envergonhado para casa. Talvez, naquele momento eu decidi qual seria a minha profissão. Porque se houve alguma injustiça na história daquele colégio, essa com certeza teria sido a sua melhor definição. Poucas vezes na vida me senti humilhado. Se não bastasse compreender todos os mestres da literatura brasileira e portuguesa, eu era incapaz de me compreender. Vocês conseguem imaginar os efeitos nefastos que isso provoca na cabeça de um adolescente de 15 anos? Foda, malandro ...
Nas provas seguintes, um desempenho razoável fez com que eu fosse aprovado sem maiores sustos. Mas, o trauma se eternizara. Graças a Deus, depois de mais uns três episódios com aquela professora, eu nunca mais a vi. Saibam que eu nunca planejei nenhum atentato contra ela, mas que não me provocaria remorso algum descobrir que outra pobre vítima o tenha feito.
O sistema é foda, parceiro. Do céu ao inferno em questões de dias. Definitivamente, esse negócio de português e interpretação de texto não é comigo. Deve ser por isso que até hoje não suporto sentar numa mesa de bar ou em estar em qualquer outro ambiente com alguém me perguntando o que eu achei sobre um filme, sobre um livro, sobre uma reportagem, sobre a puta que pariu. Desistam, pois eu já desisti de mim há 15 anos ...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Santa Festa Profana

Querido Folião,

Reza a lenda que a Igreja Católica é a grande responsável pela disseminação do carnaval em todo o planeta. Não me chame de herege, vou esclarecer. Segundo os relatos que se tem por aí (tudo bem que eu sou velho, mas nem tanto assim), por volta do século XI depois de Cristo, a Igreja Católica instituiu no calendário cristão a Semana Santa, que seria precedida de um período de quarenta dias (Quaresma), no qual os católicos deveriam se submeter à penitência e privações de todos os tipos.
Pois é malandro, estou falando de quase 900 anos atrás! Imagine o que aconteceria com você caso não respeitasse as determinações da Igreja? Cabeças rolavam, literalmente. Ninguém ousava bater de frente com a Santa Sé! Basta ler os livros de história para saber quantos não foram excomungados da Igreja Católica e mortos por bem menos, não é mesmo?
E neste cenário de renúncias e privações, as pessoas se reuniam nas ruas pouco antes de se iniciar a Quaresma para as mais diversas festividades. É como se a palavra "carnaval" estivesse ligada aos deleites da carne ("carnis valles"). Nesses poucos dias que antecediam a Quaresma, os nossos antepassados enfiavam o pé na jaca para suprir o período de vacas magras que se sucederiam nos quarenta dias seguintes, seja lá o que isso significava para os padrões da época.
Admita, é uma boa teoria esta. Faz todo sentido. E a ironia está justamente no fato de que a farra do carnaval surgiu do ventre da própria Igreja Católica, moralista e opressora até os dias de hoje.
O tempo foi passando, a Igreja Católica foi perdendo sua influência sobre a população e seus fiéis para Igreja Protestantes e seus congêneres. Além do mais, o temor a Deus já não é mais o mesmo (nota do autor: infelizmente). Em outras palavras, a Semana Santa existe, a Quaresma também, mas a sensação é de que é carnaval o ano inteiro.
No Brasil, segundo fontes fidedignas do mundo virtual, vulgo wikipedia, o carnaval chegou em meados do século XVII, sob forte inspiração das festas carnavalescas que aconteciam na Europa. Com o tempo, a festa foi sendo disseminada na cultura popular brasileira, caindo no gosto de todas as classes sociais. Na verdade, desconfio que aqueles europeus tarados e fedorentos se aproveitaram do carnaval e do famoso bordão "ninguém é de ninguém" para justificar suas aventuras e investidas nas mulatas brasileiras. Era o primórdio do tal jeitinho brasileiro para superar obstáculos!
Ok, falar da parte histórica é legal, permite desenvolver um monte de teoria divertida a respeito, mas, pelo avançar do texto, vamos falar do carnaval nos dias de hoje? Tem coragem? Fique tranquilo jovem, ao melhor estilo "se beber não case", o que acontece no carnaval, morre no carnaval ou nasce nove meses depois. Fato. Ou pelo menos deveria ser ...
Sem maiores delongas, aprofundemos o tema a partir de agora.
O que é carnaval? A resposta vai depender muito para quem você fizer essa pergunta. Ora, claro que vai variar. E vou te provar. Se perguntarem para uma criança de 8 anos, ela vai te responder que é mais um feriado que não terá aula no colégio e que viajará com os pais para casa de veraneio na Região dos Lagos, sendo o ápice do seu carnaval a apuração dos votos das escolas de samba do grupo especial na quarta-feira de cinzas (até porque se responder diferente, o pai ou a mãe já pode começar a se preocupar com essa criança num futuro nem tão distante), quando ela ficará indignada com algum jurado, prometendo lembrar o nome do maldito que deu nota baixa à sua escola de samba do coração na apuração do ano seguinte. Posso até estar enganado, mas, como regra geral, funciona assim.
Contudo, se você fizer essa pergunta para um adolescente entre 14 e 17 anos, a resposta pode variar um pouquinho. A menina, bem mais amadurecida que o menino, terá uma expectativa maior, pois certamente terá um carinha mais velho querendo chegar nela, dar aquela atenção toda especial. Ela encontrará menos dificuldade para entrar nas festas, nos bailes, em conseguir bebida alcoólica. O carnaval acabará e ela retornará ao colégio para fofocar e compartilhar suas histórias com as suas amigas. O problema dessas meninas é que chegarão aos 22 ou 23 anos já saturada de noitada, cética em relação aos homens e com um espírito de velho dos infernos! Por outro lado, o moleque que tem entre 14 e 17 anos vive um desespero só! Não tem como competir com os caras mais velhos (questão de independência, dinheiro etc), se vêem esquecidos pelas mulheres da sua idade e a fiscalização em clube, baile, boate, loja de conveniência, enfim, em todo lugar é cruel com ele. Acaba apelando e chegando em mulheres mais novas. Esses aí voltam para o colégio com muita raiva do mundo e desejando o quanto antes completarem 18 anos e ganharem aquele carro 0 km do pai.
Mas não acaba por aí, gente. Não vamos esquecer daquela rapaziada que tem entre 18 e 26 anos. Os jovens! Tem aquela galera que sofre desde sempre com uma lesão coronariana chamada "AMOR" e por isso não sabem o que significa um carnaval. Alguns se arriscam até em blocos e carnaval em Salvador, mas onde tem fumaça, há fogo, ou seja, melhor evitar o estresse e o risco de ficar sem namorado(a) em pleno carnaval (alguns diriam que a idéia não é tão ruim assim). Costumam viajar para algum lugar mais sossegado e engordar horrores com 4 ou 5 refeições diárias. Para esses, o carnaval é um feriado prolongado, com alguma dose de tortura.
Só que não é só de gente casada que vive o mundo! Tem o jovem solteiro, desimpedido, livre, leve e solto. Esse aí apronta de tudo. É uma máquina de beber, beijar, fazer merda etc etc etc elevado a quinta potência. Voltam para faculdade ou para o trabalho sem voz, com dores musculares pelo corpo todo, geralmente apresentam febre nos dias seguintes e passam 2 semanas no facebook ou orkut comentando e sacaneando a foto dos outros. Exibe com orgulho não lembrar o nome de 2 mulheres ou homens com quem teve um rápido affair no carnaval. É a melhor tradução do verso da música baiana: "Valeu, foi bom, adeus.". Esse tipo de pessoa ama o carnaval. Aliás, começa a curtir o pré-carnaval, o carnaval e só termina no pós carnaval, nas tais festas de ressaca. Movido a que eu não sei, mas que morre num dinheiro, isso morre ...
Antes de chegar aos coroas (não vou identificar a faixa etária, pois não quero ganhar a antipatia desse povo a poucos dias do meu carnaval. Questão de sobrevivência), falemos daquela galera que está no limbo que liga o nada ao coisa algum. O sujeito não é mais tão jovem, tampouco é uma pessoa com idade avançada. Ele já não tem mais aquela paciência de outrora, não se permite mais certos perrengues, mas não lhe falta vontade para curtir uma cervejinha, uma praia e uns beijos descompromissados durante o carnaval. Alguns até usam o carnaval para relembrar os bons tempos. É como se fosse um período mágico que poderia perfeitamente durar o ano inteiro. Esses aí evitam maiores extravagâncias com viagens para o raio que o parta. Acaba o carnaval e descobrem que na Quarta de Cinzas já tem matéria para estudar ou coisa para fazer no trabalho. Parece cruel e até certo ponto é. Mas, pergunta se alguém quer que seja diferente?
Os coroas, bem, com todo respeito, vou pular os coroas. Falta-me experiência própria para falar sobre o que é carnaval para eles.
E tem, por último, os idosos. Estes devem olhar pelas janelas os jovens de hoje em dia e se arrependerem de ter nascido na época errada. Alguns vão inventar um monte de histórias de quando eram jovens e viris. Mas, lembre-se, sempre haverá alguma tia velha mal amada para dizer que o carnaval é uma festa profana, exemplo contemporâneo da política do pão e circo da antiguidade. Bem, pode até ser, mas na época dela duvido que não se enrolou com algum sujeitinho pelos cantos das ruas ...
Engraçado que a cada ano vagabundo tem mais criatividade para descobrir um lugar escondido no fim do mundo que tem um carnaval "de outro planeta". E aí você descobre a utilidade do mapa do Brasil que você guardar desde a quinta série para as aulas de geografia no colégio. Chega a ser cômico o nome de algumas cidades. E não diga o contrário. Seja para onde o sujeito for, ele carregará dentro da sua mala uma camisa com os dizeres "sou carioca" e aquela outra do seu time do coração. Geralmente é nessa época do ano que o tal "X" do carioca é forçado a quinquagésima potência. Nem ele sabe o quanto fala siniXtro aos ouvidos alheios. Isso sem contar as tradicionais cenas de cariocas só de sungas em qualquer canto do Brasil, falando e fazendo merda o dia inteiro. O pior é que sempre tem uma mulher que se interessa por um sujeito desses. Afinal, é carnaval ...
Não vamos negar o óbvio: o ano só começa depois do carnaval. Só se for a parte do ano que remete a trabalho, estudo e afins, porque o sujeito que curte mesmo o carnaval, a preparação começa 4 meses antes na academia, com direito a alimentação balanceada, muito whey protein, jack3d e demais termogênicos da vida. Sem contar a produção no salão de beleza ou no barbeiro e a renovação do guarda roupa. É a tal cultura da aparência, brother. Se não pode com ela, junte-se a ela.
E por fim, doa a quem doer, falemos da tal excludente de ilicitude que o povo costuma alegar durante os quatro dias de carnaval (em Salvador, por exemplo, a folia dura para mais de uma semana!!) Durante o ano ficar com mais de uma pessoa na mesma noitada é coisa de galinha, piranha. Mas no carnaval pode. Dormir de primeira com alguém? Tá louco? Só no carnaval. Chegar na melhor amiga da ex ou do ex? Ah vai, era carnaval. Fazer coisas esquisitas que seu senso de ridículo jamais permitiriam? Claro, só fiz porque era carnaval. Que diabos, como uma palavra com três sílabas pode se encaixar perfeitamente como justificativa para mil e uma cagada que você faz?! Quando souber, não deixe de me dizer, ok? Trato é trato e agora você me deve uma!
Para finalizar de verdade o texto, é claro que eu poderia tecer um monte de críticas ao carnaval. Há argumentos neste sentido também. Mas, para que estragar a alegria de muitos? Por que ser sério justamente hoje? Chega de hipocrisia. Nesse país, não há consciência social. E não será hoje que vou começar a defender uma. Se você trilha esse caminho, tchau e benção, vai perder o seu tempo aqui. Aliás, já perdeu porque o texto chegou ao fim! Mas valeu a visita!
Ah, todo mundo tem uma história de carnaval. Posso contar a minha, mas só depois que você contar a sua, comentando esse texto. Não vai custar nada, entre no clima do carnaval e deixa rolar!
Bem vindo, Carnaval 2011! Que Deus não permita que as mulheres do Brasil morram viúvas nos próximos dias!!
"Explode coração, na maior felicidade ..."