Pesquisar este blog

terça-feira, 8 de julho de 2014

Descanse em paz, fantasma de 1950

Depois da derrota para França na Copa de 2006, eu achava que não voltaria a ficar com tanta raiva e tristeza diante de uma derrota da nossa seleção.

Mas, a de hoje foi cruel. 
 
Pois, o povo querendo ou não a realização de Copa do Mundo aqui, indignando-se ou não por conta de obras superfaturadas, observando o uso político do evento e tendo ou não orgulho de ser brasileiro como profetiza a música mais odiada dos estádios brasileiros, queria ser campeão do mundo em casa.
 
A derrota hoje atingiu o ego de um povo que se orgulha pelo que representa no futebol mundial, por suas lendas futebolísticas e pela reverência que o planeta bola há meio século confere ao futebol brasileiro.
 
A decadência de nossos clubes de certa forma é amenizada pelo sucesso de nossa seleção. Fizesse sol ou chuva, estivesse bem ou mal a economia, enfrentando ou não as deficiências seculares de nosso país, no final das contas, o brasileiro sempre teve o orgulho de encher o pulmão de ar para dizer: "somos o Brasil, o país do futebol".
 
Porém, hoje não. Amanhã, talvez.
 
Sobre a Copa do Brasil, sem dúvidas, foi um sucesso dentro de campo e nas arquibancadas, ainda que com os percalços no meio do caminho e a expectativa frustrada quanto às falsas promessas e melhorias em aeroportos, sistema de mobilidade urbana etc. 
 
Mesmo assim, acredito que os turistas estrangeiros saiam do país com lembranças inesquecíveis e isso por si só é muito bacana (mas insuficiente para um Brasil que queremos). A Copa também foi um sucesso pelos gols, pelos jogos, pelo evento em si, ainda que com um penúltimo capítulo muito triste.

Sobre o fatídico jogo, fato é que ninguém gosta de ser humilhado em casa. 
 
Infelizmente, a Alemanha foi um convidado bem folgado e que sequer nos deu a chance de vislumbrar uma final histórica no Maracanã no próximo domingo.
 
O que tivemos foi um resultado atípico pela elasticidade e pelo que representam as duas seleções na história do futebol. Ouso dizer inclusive que jamais teremos a oportunidade em qualquer canto do mundo de revidar ou apagar o jogo de hoje. Será uma mancha que carregaremos até o dia do juízo final.
 
Na minha opinião, experimentamos em doses homeopáticas uma franca decadência de nosso futebol, incapaz de acompanhar a evolução tática e técnica de outros centros futebolísticos. Alguns resultados pontuais contribuem para mascarar mazelas que há anos atormentam a organização interna e externa de nosso futebol.
 
A diferença residirá na forma como iremos absorver e encarar a derrota histórica de hoje.
 
Paramos no tempo e estamos presos à conceitos ultrapassados. 
 
Se antes a técnica bastava, hoje ela não sobrevive sem inteligência, força física, mental e muito estudo/treino. 
 
E não exagero quando falo sobre isso, pois com certa frequência, temos observado vizinhos na América do Sul eliminarem nossos times em competições internacionais sem maiores dificuldades (embora com folha salarial até dez vezes inferior), empresários cada vez mais ricos, salários a jogadores e treinadores que atentam contra realidade sócio-econômica do país e que não se traduzem em futebol bem jogado dentro de campo.
 
Uma minoria se aproveita da ignorância do povo para manter o sistema do jeito que é hoje. Nos principais veículos de comunicação do país não se discute nem se propõe melhorias. À história do futebol brasileiro sequer é dada a chance de se reinventar. 

Não se trata de cultuar o complexo de vira-latas. Mas, hoje, devemos aprender com o resto do mundo como jogar o futebol praticado no planeta. Da preparação à forma de jogar individual e coletivamente. E no curso deste aprendizado, dar o toque brasileiro, que sempre nos diferenciou do restante do mundo do futebol.
 
Chega de multiplicar cada vez mais a cultura oca de endeusamento midiático de jogadores sem história no futebol e sem comportamento que os torne verdadeiramente heróis como pressupõe a terminologia, pois isso contribui apenas para decadência de nosso futebol. 
 
Neste contexto, vale a reflexão sobre o papel da milionária CBF no futebol brasileiro, a responsabilidade de dirigentes na condução do esporte no país, a atuação de empresários, as leis direcionadas aos torcedores, clubes e jogadores, a qualidade de nossos treinadores e profissionais do futebol, a formação de nossos atletas etc.
 
Enfim, projetar um legado positivo diante da mais vexatória derrota de todos os tempos de nosso futebol.

São muitas questões a serem debatidas e mudanças a serem estruturadas daqui em diante. Conseguiremos? Não sei. Tentaremos? Também não sei. Pois, se o futebol for mesmo o retrato fiel da política do país, com os velhos caciques de sempre servindo-se do poder para enriquecer às custas da paixão alheia, a derrota hoje ao invés de ser um marco para reconstrução do modelo de futebol no país será "apenas" um acidente de percurso, sem maiores consequências.

Assim, neste 8 de julho de 2014, já saudosista, me despeço em definitivo do fantasma de 1950, que durante décadas assombrou e habitou o imaginário de milhões de brasileiros, nascidos ou não naquela tarde no Maracanã. 

Descanse em paz, Maracanazzo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário