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domingo, 13 de março de 2011

A primeira vez a gente nunca esquece

Calma, minha gente. O título engana e te induz à conclusão precipitada. Seu curioso danado! Eu não daria esse mole aqui, né. De bobo eu só tenho a cara. Mas, já que você se deu o trabalho de acessar o blog, não custa (quase) nada terminar de ler o texto, não é? Faça um esforço ...
Como alguns já puderam perceber, gosto de falar sobre as minhas memórias. Até porque o tempo me fará esquecer algumas delas, então não deixa de ser uma forma de eternizar em poucas linhas as lembranças do passado, certo?
Pois bem, então hoje é dia de falar sobre a minha primeira vez. Mas, não foi qualquer primeira vez. Compartilharei com vocês a minha primeira vez no Estádio Mário Filho, mundialmente conhecido como Maracanã, ou para os íntimos, o famoso "Maraca".
É verdade que já faz um tempo, mas a sensação é de que foi ontem. Impressionante, sabe. Os livros de história não me permitem mentir. Estávamos em julho de 1989, eu tinha acabado de completar 8 anos de idade e ganhei de aniversário dos meus pais o ingresso para a final da Copa América, entre Brasil e Uruguai.
Não é saudosismo (pelo contrário), mas os tempos eram outros. Vejam o drama das crianças daquela época: (i) o videogame era o atari; (ii) o dinheiro da mesada se desvalorizava de um dia para o outro diante da inflação que reinava no país; (iii) não havia tv a cabo, éramos forçados a assistir a Xuxa diariamente e dar graças a Deus por isso; (iv) você chegava no supermercado e faltavam produtos nas prateleiras. Poderia perder o texto falando das dificuldades e das peculiaridades daquela época, mas o foco aqui é outro. Falemos somente da minha primeira vez.
Sendo assim, vamos tratar de futebol apenas. O Brasil vivia uma época de vacas magras. Fazia 19 anos do nosso último título mundial, no México. Vínhamos de duas decepções em Copas do Mundo (82 e 86). E no cenário sulamericano, o nosso último título ocorrera, salvo engano, 40 anos antes. E para completar o cenário, desde aquela época, tínhamos dificuldade em reunir os jogadores que atuavam no futebol europeu. Foi montada uma seleção basicamente composta de jogadores de clubes brasileiros.
Quem tiver interesse, procurem pela Internet vídeos, lances, gols daquela Copa América. Bebeto e Romário só não fizeram chover. Disparada, a melhor e mais completa dupla de ataque que eu já vi jogar. Impressionante como um completava o outro, como ambos eram craques, na melhor acepção da palavra.
Depois de superarmos todos os adversários nas fases anteriores, o que incluiu a Argentina de um tal Diego Armando Maradona, que três anos antes praticamente conquistara sozinho a Copa do Mundo, chegamos à final diante da equipe celeste, o Uruguai.
Perguntem aos seus avós sobre o trauma provocado pela perda da Copa do Mundo de 1950 em pleno Maracanã diante de mais de 200 mil pessoas. O tal "Maracanazo". O Uruguai era um time com tradição, papão de títulos no continente sulamericano e o fantasma de 1950 até hoje habita os corações brasileiros. Nos dias que antecederam a partida, os noticiários esportivos não falavam outra coisa.
E foi nesse cenário que naquela tarde de 16 de julho de 1989, eu e mais 132.742 pessoas fomos ao Maracanã presenciar um lindo e inesquecível capítulo da história do futebol brasileiro. Até hoje, o maior público que eu já presenciei no estádio.
Dormir na véspera foi praticamente impossível. Eu passara a semana inteira no colégio me gabando com os meus amigos de ter conseguido ingresso para assistir a partida. Temia muito ser taxado de pé frio (quando se é criança, a gente teme muita coisa, não é?). Por algum motivo que eu não me lembro mais, naquele jogo eu fui ao Maraca com a minha mãe, meu pai ficou em casa.
O meu ingresso era de cadeira. Na época, cadeira azul. Entrar no estádio não foi difícil (o que só aumenta a minha irritação quando até o ano passado enfrentava longas filas e horas esperando para entrar no Maraca, em partida para 50 ou 60 mil pessoas), complicado mesmo foi conseguir dois assentos vagos. Era muita gente. Um clima de festa impressionante. Com os meus 8 anos de idade, olhava assustado tudo aquilo. Dava vontade de chorar em alguns momentos. Eu e minha mãe abandonados naquele estádio. Quando morrer, terei que perguntar ao meu coroa o porquê dele ter feito aquilo com a gente. Mas, hoje ele sabe o quanto eu sou grato.
Enfim, depois de muito procurar, conseguimos dois lugares vagos atrás do gol, à esquerda das cabines de rádio e televisão. Eu e minha mãe, minha mãe e eu. No início, ainda tímido, não arriscava maiores gritos ou xingamentos, até porque lembro perfeitamente da bronca que minha mãe me deu no primeiro palavrão que proferi. Mãe é mãe, né parceiro?
Vocês podem rir, mas algo que me marcou muito naquela partida foi um filho da puta de mais ou menos 40 anos que estava sentado na minha frente. Por dois motivos básicos: (i) o desgraçado toda hora se levantava e tampava minha visão do campo de jogo. O puto levantava toda hora, eu tinha que praticar contorcionismo para enxergar alguma coisa. E (ii) o sem pai e sem mãe fumava um cigarro muito do fedorento e baforava para trás! Adivinhem em quem vinha toda aquela fumaça cancerígena? Porra, se eu tivesse uns 4 anos a mais e uns 10 centímetros, eu juro que naquela tarde eu teria enfiado a mão naquele apátrida! O trauma foi tão grande que deve ter sido por isso que não suporto cigarro até hoje! Aliás, deve não, tenho certeza de que a decisão de nunca tragar qualquer coisa deu-se em razão daquele dia. Pensando bem, eu deveria agradecer aquele prego. Ok, obrigado, onde quer que você esteja!
Retomando o raciocínio. O jogo foi truncado. Os olhares ao redor estavam todos apreensivos. Entre uma baforada e outra, eu respirava oxigênio e gritava feito louco. Era um sentimento de um país inteiro que empurrava aquele time. Milhares e milhares de corações aflitos. Façam uma remissão histórica. Tentem imaginar o país na década de 80, crise econômica, resgate de um regime democrático, um futebol sem glórias e colecionando fracassos ano após ano. Estava em jogo naquela partida muito mais que um título continental, era o ressurgimento de uma nação. A minha, a sua, a nossa nação brasileira.
Não sei o que os outros pensam. Mas, fico triste quando penso quantas crianças brasileiras crescerão e não terão a oportunidade de assistir a uma partida no Maracanã. Isso deve fazer falta na formação de uma pessoa. Costumo dizer que o Maraca muitas vezes serviu de terapia para mim. A entrada no estádio, a comemoração de um gol, os cânticos da torcida, ovacionar um ídolo, um craque. Quantas tardes de domingo maravilhosas eu passei naquele estádio. Tiveram dias ruins, de lágrimas e dor, mas no geral, como agradeço a Deus por ter nascido e sido criado perto do Maracanã. Esse fechamento para as obras visando a Copa do Mundo inclusive injeta muita tristeza na alma do carioca, do sujeito que é um apaixonado por futebol. Um jogo de futebol no Maracanã não é apenas um jogo. Envolve muita coisa. A expectativa, a praia pela manhã, a cerveja na hora do almoço e a comemoração na noite depois. Enfim ...
Novamente recuperando o raciocínio, voltemos àquela partida. Jogo nervoso, lances de perigo de lado a lado. E o placar insistia em não sair do zero. Mas, um certo baixinho mudaria para sempre a história do jogo e do futebol brasileiro.
Taffarel pega a bola na defesa e lança quase no meio campo para o Mazinho. Ele arranca com a bola, passa para Bebeto que devolve na frente. O Mazinho corre e faz o cruzamento. Enquanto os corações de um país inteiro paravam de bater, a bola atravessava a área uruguaia em direção certeira a um raio veloz chamado Romário, aquele mesmo da Copa de 94, que de cabeça faz o gol brasileiro. Explosão no Maraca e em todo o país. O Brasil fazia o primeiro gol na decisão e saía na frente.
Meu Deus, naquele momento, parecia que o mundo iria terminar. Era possível sentir as estruturas do estádio balançando. Uma sensação de alegria e medo tomavam conta de mim. Não sei como, mas tive tempo de pegar o maço de cigarro do infeliz que sentava na minha frente (no entre beijos e abraços dos torcedores) e joguei com toda a minha força para muito longe! Eu estava livre dos cigarros até o final do jogo! E a torcida brasileira, em festa, não parava de cantar.
Fim de jogo e todos emocionados festejam o primeiro título sulamericano depois de quase 40 anos. O primeiro título desde a Copa do Mundo de 1970. Toda aquela festa fez despertar em mim um sentimento ainda maior de paixão ao futebol (o que me faz pensar no jeito, darei de estar no Maraca na final da Copa de 2014), um respeito, admiração e gratidão eterna ao Romário, um orgulho pela coragem da minha mãe em me levar naquele jogo e a certeza de que teria outras glórias com o Flamengo nos anos seguintes.
Na saída do estádio, as ruas foram tomadas por bandeiras e muita festa. Carnaval fora de época na cidade. E muitas histórias para contar no colégio nas semanas seguintes. Eu fui testemunha ocular da história do futebol brasileiro. Debutara no Maraca logo com um título! E que título! Minha primeira vez tinha sido perfeita, melhor impossível. E é verdade quando dizem que a primeira vez a gente nunca esquece. Graças a Deus.
Para quem quiser, segue o vídeo daquela partida: http://www.youtube.com/watch?v=J63NnkUdQbA

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