Reza a lenda que a Igreja Católica é a grande responsável pela disseminação do carnaval em todo o planeta. Não me chame de herege, vou esclarecer. Segundo os relatos que se tem por aí (tudo bem que eu sou velho, mas nem tanto assim), por volta do século XI depois de Cristo, a Igreja Católica instituiu no calendário cristão a Semana Santa, que seria precedida de um período de quarenta dias (Quaresma), no qual os católicos deveriam se submeter à penitência e privações de todos os tipos.
Pois é malandro, estou falando de quase 900 anos atrás! Imagine o que aconteceria com você caso não respeitasse as determinações da Igreja? Cabeças rolavam, literalmente. Ninguém ousava bater de frente com a Santa Sé! Basta ler os livros de história para saber quantos não foram excomungados da Igreja Católica e mortos por bem menos, não é mesmo?
E neste cenário de renúncias e privações, as pessoas se reuniam nas ruas pouco antes de se iniciar a Quaresma para as mais diversas festividades. É como se a palavra "carnaval" estivesse ligada aos deleites da carne ("carnis valles"). Nesses poucos dias que antecediam a Quaresma, os nossos antepassados enfiavam o pé na jaca para suprir o período de vacas magras que se sucederiam nos quarenta dias seguintes, seja lá o que isso significava para os padrões da época.
Admita, é uma boa teoria esta. Faz todo sentido. E a ironia está justamente no fato de que a farra do carnaval surgiu do ventre da própria Igreja Católica, moralista e opressora até os dias de hoje.
O tempo foi passando, a Igreja Católica foi perdendo sua influência sobre a população e seus fiéis para Igreja Protestantes e seus congêneres. Além do mais, o temor a Deus já não é mais o mesmo (nota do autor: infelizmente). Em outras palavras, a Semana Santa existe, a Quaresma também, mas a sensação é de que é carnaval o ano inteiro.
No Brasil, segundo fontes fidedignas do mundo virtual, vulgo wikipedia, o carnaval chegou em meados do século XVII, sob forte inspiração das festas carnavalescas que aconteciam na Europa. Com o tempo, a festa foi sendo disseminada na cultura popular brasileira, caindo no gosto de todas as classes sociais. Na verdade, desconfio que aqueles europeus tarados e fedorentos se aproveitaram do carnaval e do famoso bordão "ninguém é de ninguém" para justificar suas aventuras e investidas nas mulatas brasileiras. Era o primórdio do tal jeitinho brasileiro para superar obstáculos!
Ok, falar da parte histórica é legal, permite desenvolver um monte de teoria divertida a respeito, mas, pelo avançar do texto, vamos falar do carnaval nos dias de hoje? Tem coragem? Fique tranquilo jovem, ao melhor estilo "se beber não case", o que acontece no carnaval, morre no carnaval ou nasce nove meses depois. Fato. Ou pelo menos deveria ser ...
Sem maiores delongas, aprofundemos o tema a partir de agora.
O que é carnaval? A resposta vai depender muito para quem você fizer essa pergunta. Ora, claro que vai variar. E vou te provar. Se perguntarem para uma criança de 8 anos, ela vai te responder que é mais um feriado que não terá aula no colégio e que viajará com os pais para casa de veraneio na Região dos Lagos, sendo o ápice do seu carnaval a apuração dos votos das escolas de samba do grupo especial na quarta-feira de cinzas (até porque se responder diferente, o pai ou a mãe já pode começar a se preocupar com essa criança num futuro nem tão distante), quando ela ficará indignada com algum jurado, prometendo lembrar o nome do maldito que deu nota baixa à sua escola de samba do coração na apuração do ano seguinte. Posso até estar enganado, mas, como regra geral, funciona assim.
Contudo, se você fizer essa pergunta para um adolescente entre 14 e 17 anos, a resposta pode variar um pouquinho. A menina, bem mais amadurecida que o menino, terá uma expectativa maior, pois certamente terá um carinha mais velho querendo chegar nela, dar aquela atenção toda especial. Ela encontrará menos dificuldade para entrar nas festas, nos bailes, em conseguir bebida alcoólica. O carnaval acabará e ela retornará ao colégio para fofocar e compartilhar suas histórias com as suas amigas. O problema dessas meninas é que chegarão aos 22 ou 23 anos já saturada de noitada, cética em relação aos homens e com um espírito de velho dos infernos! Por outro lado, o moleque que tem entre 14 e 17 anos vive um desespero só! Não tem como competir com os caras mais velhos (questão de independência, dinheiro etc), se vêem esquecidos pelas mulheres da sua idade e a fiscalização em clube, baile, boate, loja de conveniência, enfim, em todo lugar é cruel com ele. Acaba apelando e chegando em mulheres mais novas. Esses aí voltam para o colégio com muita raiva do mundo e desejando o quanto antes completarem 18 anos e ganharem aquele carro 0 km do pai.
Mas não acaba por aí, gente. Não vamos esquecer daquela rapaziada que tem entre 18 e 26 anos. Os jovens! Tem aquela galera que sofre desde sempre com uma lesão coronariana chamada "AMOR" e por isso não sabem o que significa um carnaval. Alguns se arriscam até em blocos e carnaval em Salvador, mas onde tem fumaça, há fogo, ou seja, melhor evitar o estresse e o risco de ficar sem namorado(a) em pleno carnaval (alguns diriam que a idéia não é tão ruim assim). Costumam viajar para algum lugar mais sossegado e engordar horrores com 4 ou 5 refeições diárias. Para esses, o carnaval é um feriado prolongado, com alguma dose de tortura.
Só que não é só de gente casada que vive o mundo! Tem o jovem solteiro, desimpedido, livre, leve e solto. Esse aí apronta de tudo. É uma máquina de beber, beijar, fazer merda etc etc etc elevado a quinta potência. Voltam para faculdade ou para o trabalho sem voz, com dores musculares pelo corpo todo, geralmente apresentam febre nos dias seguintes e passam 2 semanas no facebook ou orkut comentando e sacaneando a foto dos outros. Exibe com orgulho não lembrar o nome de 2 mulheres ou homens com quem teve um rápido affair no carnaval. É a melhor tradução do verso da música baiana: "Valeu, foi bom, adeus.". Esse tipo de pessoa ama o carnaval. Aliás, começa a curtir o pré-carnaval, o carnaval e só termina no pós carnaval, nas tais festas de ressaca. Movido a que eu não sei, mas que morre num dinheiro, isso morre ...
Antes de chegar aos coroas (não vou identificar a faixa etária, pois não quero ganhar a antipatia desse povo a poucos dias do meu carnaval. Questão de sobrevivência), falemos daquela galera que está no limbo que liga o nada ao coisa algum. O sujeito não é mais tão jovem, tampouco é uma pessoa com idade avançada. Ele já não tem mais aquela paciência de outrora, não se permite mais certos perrengues, mas não lhe falta vontade para curtir uma cervejinha, uma praia e uns beijos descompromissados durante o carnaval. Alguns até usam o carnaval para relembrar os bons tempos. É como se fosse um período mágico que poderia perfeitamente durar o ano inteiro. Esses aí evitam maiores extravagâncias com viagens para o raio que o parta. Acaba o carnaval e descobrem que na Quarta de Cinzas já tem matéria para estudar ou coisa para fazer no trabalho. Parece cruel e até certo ponto é. Mas, pergunta se alguém quer que seja diferente?
Os coroas, bem, com todo respeito, vou pular os coroas. Falta-me experiência própria para falar sobre o que é carnaval para eles.
E tem, por último, os idosos. Estes devem olhar pelas janelas os jovens de hoje em dia e se arrependerem de ter nascido na época errada. Alguns vão inventar um monte de histórias de quando eram jovens e viris. Mas, lembre-se, sempre haverá alguma tia velha mal amada para dizer que o carnaval é uma festa profana, exemplo contemporâneo da política do pão e circo da antiguidade. Bem, pode até ser, mas na época dela duvido que não se enrolou com algum sujeitinho pelos cantos das ruas ...
Engraçado que a cada ano vagabundo tem mais criatividade para descobrir um lugar escondido no fim do mundo que tem um carnaval "de outro planeta". E aí você descobre a utilidade do mapa do Brasil que você guardar desde a quinta série para as aulas de geografia no colégio. Chega a ser cômico o nome de algumas cidades. E não diga o contrário. Seja para onde o sujeito for, ele carregará dentro da sua mala uma camisa com os dizeres "sou carioca" e aquela outra do seu time do coração. Geralmente é nessa época do ano que o tal "X" do carioca é forçado a quinquagésima potência. Nem ele sabe o quanto fala siniXtro aos ouvidos alheios. Isso sem contar as tradicionais cenas de cariocas só de sungas em qualquer canto do Brasil, falando e fazendo merda o dia inteiro. O pior é que sempre tem uma mulher que se interessa por um sujeito desses. Afinal, é carnaval ...
Não vamos negar o óbvio: o ano só começa depois do carnaval. Só se for a parte do ano que remete a trabalho, estudo e afins, porque o sujeito que curte mesmo o carnaval, a preparação começa 4 meses antes na academia, com direito a alimentação balanceada, muito whey protein, jack3d e demais termogênicos da vida. Sem contar a produção no salão de beleza ou no barbeiro e a renovação do guarda roupa. É a tal cultura da aparência, brother. Se não pode com ela, junte-se a ela.
E por fim, doa a quem doer, falemos da tal excludente de ilicitude que o povo costuma alegar durante os quatro dias de carnaval (em Salvador, por exemplo, a folia dura para mais de uma semana!!) Durante o ano ficar com mais de uma pessoa na mesma noitada é coisa de galinha, piranha. Mas no carnaval pode. Dormir de primeira com alguém? Tá louco? Só no carnaval. Chegar na melhor amiga da ex ou do ex? Ah vai, era carnaval. Fazer coisas esquisitas que seu senso de ridículo jamais permitiriam? Claro, só fiz porque era carnaval. Que diabos, como uma palavra com três sílabas pode se encaixar perfeitamente como justificativa para mil e uma cagada que você faz?! Quando souber, não deixe de me dizer, ok? Trato é trato e agora você me deve uma!
Para finalizar de verdade o texto, é claro que eu poderia tecer um monte de críticas ao carnaval. Há argumentos neste sentido também. Mas, para que estragar a alegria de muitos? Por que ser sério justamente hoje? Chega de hipocrisia. Nesse país, não há consciência social. E não será hoje que vou começar a defender uma. Se você trilha esse caminho, tchau e benção, vai perder o seu tempo aqui. Aliás, já perdeu porque o texto chegou ao fim! Mas valeu a visita!
Ah, todo mundo tem uma história de carnaval. Posso contar a minha, mas só depois que você contar a sua, comentando esse texto. Não vai custar nada, entre no clima do carnaval e deixa rolar!
Bem vindo, Carnaval 2011! Que Deus não permita que as mulheres do Brasil morram viúvas nos próximos dias!!
"Explode coração, na maior felicidade ..."
Murad,
ResponderExcluirConfesso que visitei o blog meio desconfiado do que eu poderia encontrar por aqui... Pensei em textos existenciais chatos e críticas futebolísticas sem graça...
Mas me surpreendi. Positivamente.
Gostei tanto que li todos os textos de uma só vez.
Seus textos estão excelentes!
Parece um profissional do ramo.
Parabéns, irmão!
Grande abraço...
Paulista
PS.: VAI ESTUDAR PORRA!
Queridoooooo
ResponderExcluirEsqueceu dos enrustidos que se soltam no carnaval!!!
Medo de magoar alguem???rsrs
beijokassss
Me lembro de um carnaval em meados de 2008, em que socorri um certo folião, que inventou comer um cachorro quente, que infelizmente estava estragado. O coitado estava tão mal, que tive piedade e fui visita - lo no hospital. Coitado, ele não era da cidade!!! Só tinha uma sacola nas mãos e seus amigos haviam lhe abandonado. Só assim para salvar a alma num carnaval!!!
ResponderExcluirMuito bons seus textos!!!! Adorei o do carnaval...parece até que vc escreveu depois e não antes dele........hehehehehe. Loco abreu e adocica.... No carnaval POOODE!!!! Parabéns mesmo. Bjs Mari
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