Confesso que tenho andado sem muita inspiração nos últimos dias. Não sei se por conta do excesso de cerveja experimentada no carnaval ou se por deficiência técnica. Seja como for, parir esse filho, digo, criar um texto hoje será das tarefas mais complicadas.
A verdade é que antes de criar o blog, não tinha muita preocupação sobre o que escrever (não que eu tenha me tornado um blogueiro super conhecido depois do primeiro texto e que isso aqui seja acessado por milhares de pessoas, embora as estatísticas do blog revelem um tímido aumento no número de acessos ao blog).
E é justamente nesse ponto que reside a dificuldade ora enfrentada: como seduzir e sensibilizar o "público virtual"? Observem que não tenho a preocupação em agradar fulano ou ciclano. No dia que isso acontecer, encerro a conta do blog no minuto seguinte. A questão é outra: uma vez que ousei externar meu hobby literário, como fazer com que haja interesse das mais variadas pessoas acessarem isso aqui e perderem 10 minutos de seu dia para ler meus textos? Se ao final da leitura o pobre coitado do leitor vai gostar, odiar ou ser indiferente, são outros quinhentos. Mas confesso que é um barato danado ver pessoas comentando aqui ou pessoalmente comigo.
E essa dificuldade se acentua um pouco mais a medida que eu optei ao criar este blog em evitar escrever sobre religião, política e assuntos do nosso cotidiano. Essa árdua missão eu relego aos estudiosos e críticos de plantão. Na internet ou fora dela, há milhares de canais neste sentido. E sei lá, nada contra pessoas normais, mas eu gosto de ser diferente. Já que estou me dando o trabalho em criar textos, que primem ou valorizem o ineditismo da obra!
Mas, deixemos de lado esses dilemas existenciais que tenho enfrentado nos últimos dias. Foquemos nossas atenções nesse texto, ok?
A história de hoje pode receber contornos de humor. Mas, acredite que eu não fiquei nada feliz com ela. Muito pelo contrário. Até hoje é algo mal digerido por mim, sabe. Encarem as linhas seguintes com pequenas doses de dramaticidade. E tomem cuidado ao tecerem piadinhas com o sofrimento alheio, afinal, não custa lembrar que correm em minhas veias sangue árabe, guerra é comigo mesmo ...
O episódio ocorreu em 1996. Na época, então com 15 anos, eu me achava um sujeito normal (embora já convivesse com a divergência de opinião na "doutrina especializada"). Cursava a 8ª série do Colégio Marista São José, aqui na Tijuca. Em algum momento da minha história acadêmica, por algum motivo desconhecido até hoje, deixei de ser um aluno brilhante. Observem que eu não estou me chamando de burro, tampouco de medíocre. Mas, há uma diferença importante entre ser um bom aluno e um aluno brilhante. E essa história corrobora um pouco isso, senão vejamos.
Acabara de chegar ao colégio. Naquele dia chuvoso e cinzento, teria prova de português. Precisava de uma boa nota para ter uma certa folga no boletim até o final do ano, algo que me permitisse tirar o pé do acelerador, ops, dos estudos, nos últimos meses do semestre letivo, até porque na época, eu conciliava meus estudos com os treinos de basquete, as aulas no curso de inglês, dentre outras atividades (sem saudosismo, por favor).
Antes de prosseguir com o relato da história, cabe um importante comentário: português é uma disciplina enigmática. O sujeito estuda essa matéria por quase 10 anos no colégio e consegue a proeza de concluir o ensino médio falando e escrevendo errado. Passa uma vida inteira estudando advérbio de tempo, preposições, tempos verbais e afins, mas poucos são os que realmente aprendem alguma coisa. Infelizmente, o brasileiro não sabe escrever, não se importa em escrever errado e alguns falam e escrevem melhor em inglês! Enfim, algo muito triste.
Retomemos o curso da história. Admito, nunca fui fã de português no colégio, e olha que eu tive bons professores. Mas o que me causava grande temor era fazer prova de interpretação de texto. Quantas vezes eu achei que o autor de um determinado texto tinha fumado maconha antes de escrevê-lo? Isso sem contar que aquele povo todo da época do arcadismo, romantismo, barroco, realismo, naturalismo, modernismo etc. construiu sua obra literária partindo da seguinte premissa: "o texto incompreensível para Rafael Murad será sinônimo de sucesso para a literatura pátria". Juro, vocês não fazem idéia do meu drama.
Mas, naquela prova de português seria diferente. Ou não. A prova valeria 10 pontos, sendo que 8 pontos seria somente da interpretação do texto. Eu já me tremia nas bases. Recebo a prova e começo a ler o texto. Achei estranho, aquelas palavras me pareciam bem familiar. Pela primeira vez na vida eu concordava com o texto a medida que ia lendo-o. Curioso, interrompi a leitura e fui olhar a autoria do mesmo. Quase caí da cadeira! A professora havia escolhido um texto meu! Isso, você não está lendo errado, leitor. A porra do texto era meu! Lembro-me perfeitamente dos olhares de reprovação de boa parte da turma. Vagabundo deve ter achado que eu sabia de tudo desde o início! Além de não ganhar um centavo com a veiculação da "obra", ganhei a antipatia dos alunos. Sempre soube que aquela professora me detestava (quem quiser saber os motivos, perguntem ao final), mas aquilo era demais!
Só que a conveniência e a oportunidade fazem o ladrão. Depois do susto inicial, veio aquele sorriso "a la Monalisa" de minha parte. Respondia as questões com tanta propriedade, com uma convicção ímpar. Eu era o autor e mais ninguém. Entre uma questão e outra, já me imaginava na sessão de autógrafos na hora do recreio (bons tempos por sinal). Não demorou muito e eu terminei a prova. Confiante, levantei e me dirigi até a mesa da professora. Com um olhar de desdém, entreguei a prova e aguardei tranquilo o sinal do recreio.
Veio o recreio e com ele vários elogios, tapinhas nas costas, broncas. Tinha para todos os gostos. Eu escrevi aquele texto semanas antes. A professora dissera que escolheria um deles e que faria uma surpresa. Só não imaginei que a surpresa fosse aquela. Talvez tenha sido o único momento da minha vida em que Paulo Coelho não era páreo a mim.
Nos dias que se sucederam, eu já estava em clima de final de festa, quase de férias. A certeza de uma nota boa era plena. Em casa, não havia outro assunto. Quase que minha carreira literária começou ali, naquele momento.
No entanto, já dizia o poeta: "no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho". No meu caso, a tal professora de português. Vocês entenderão o meu sofrimento. No dia combinado, a maledita entregou as provas corrigidas à turma. Como meu nome começa com a letra R, fui um dos últimos a receber. Nada que abalasse a minha confiança. Uma nota alta na minha prova era mais certo que vitória do Flamengo no Fla x Flu do próximo domingo. Mas não se aquela professora pudesse me sacanear.
De repente ouço: "Número 32, Rafael de Souza Murad". Entre risos e vaias, levantei-me. Dei cinco ou seis passos em direção à mesa da professora. Antes mesmo de receber a prova e ver a nota, estava preocupado com aquele sorriso vingativo da megera. Dito e feito. Pego a prova e vejo um 4,5! Exatamente, um 4,5! Que ódio! Minha prova parecia uma mulher menstruada: havia vermelho de caneta para todas as partes! Praticamente acertara apenas o meu nome, as poucas questões de gramática e duas questões do texto ... do MEU texto.
Naquele inferno vermelho, um comentário me chamou a atenção: "o autor não quis dizer isso". Porra, como assim cara pálida? O autor era eu! E ninguém até então tinha me perguntado bulufas sobre o que eu estava pensando quando escrevi o texto!! Ela tinha o dom da adivinhação? Depois de ponderar por quase 10 minutos em sala de aula e perder um recreio inteiro reclamando e argumentando na sala dos professores com a bruxa, vi que não surtiria efeito algum a minha discordância em relação aos critérios de correção das minhas respostas às perguntas do texto de minha autoria.
Restou-me retornar cabisbaixo e envergonhado para casa. Talvez, naquele momento eu decidi qual seria a minha profissão. Porque se houve alguma injustiça na história daquele colégio, essa com certeza teria sido a sua melhor definição. Poucas vezes na vida me senti humilhado. Se não bastasse compreender todos os mestres da literatura brasileira e portuguesa, eu era incapaz de me compreender. Vocês conseguem imaginar os efeitos nefastos que isso provoca na cabeça de um adolescente de 15 anos? Foda, malandro ...
Nas provas seguintes, um desempenho razoável fez com que eu fosse aprovado sem maiores sustos. Mas, o trauma se eternizara. Graças a Deus, depois de mais uns três episódios com aquela professora, eu nunca mais a vi. Saibam que eu nunca planejei nenhum atentato contra ela, mas que não me provocaria remorso algum descobrir que outra pobre vítima o tenha feito.
O sistema é foda, parceiro. Do céu ao inferno em questões de dias. Definitivamente, esse negócio de português e interpretação de texto não é comigo. Deve ser por isso que até hoje não suporto sentar numa mesa de bar ou em estar em qualquer outro ambiente com alguém me perguntando o que eu achei sobre um filme, sobre um livro, sobre uma reportagem, sobre a puta que pariu. Desistam, pois eu já desisti de mim há 15 anos ...
Conhecendo outro Murad! Belo texto!
ResponderExcluirGostei do texto!!! E nunca desista do seu blog. Você tem um dom, tem que ser explorado. Seus textos de uma forma geral, tem um pouquinho de você e dos seus leitores também. Você é muito abrangente, então sempre tem um ponto em que o leitor de identifica. Assuntos do cotidiano sempre são interessantes, porque ninguem tem a fórmula certa para viver. O legal é a troca de experiências do que já foi vivido. E assim vamos aprendendo e amadurecendo.
ResponderExcluirFran